sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Lúcio de Castro dá exemplo de resistência

A dificuldade de se fazer jornalismo no contexto da maior crise política que o país vive desde o fim da ditadura foi o tema da mesa de abertura do XI Controversas, que recebeu os repórteres Lúcio de Castro e Mariana Filgueiras para discutir como enfrentar a cobertura dos Jogos Olímpicos num momento de tamanha gravidade. Mas o debate, mediado pela professora Sylvia Moretzsohn, foi mais abrangente e enveredou pela crítica do jornalismo praticado nas grandes empresas.

Diferentemente de tantos colegas que costumam pisar em ovos quando questionam a profissão, Lúcio de Castro abriu o verbo: “não existe jornalismo investigativo no Brasil”. Seria uma afirmação tão categórica quanto exagerada – afinal, há exemplos de grandes repórteres, como ele próprio, empenhados nessa tarefa. Mas, de fato, são exceções que confirmam a regra. Lúcio lembrou a famosa definição do jornalismo como a tarefa de “publicar aquilo que alguém poderoso quer esconder, e o que se vê é o contrário disso”. Em seguida, deu vários exemplos para fundamentar sua crítica, demonstrando como os editores evitam a publicação de reportagens inconvenientes.

Uma delas foi a que ele próprio realizou sobre os negócios da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e que acabou saindo na CartaCapital. O interessante, disse, teria sido publicá-la em algum jornal conservador, para atingir um público normalmente alheio a esse tipo de denúncia. Mas não foi possível furar o bloqueio: previsivelmente, todos os procurados rejeitaram a pauta. Muito divertido, Lúcio contou como enfiou a carapuça num editor que tentava sair pela tangente, sempre adiando uma resposta e evitando uma recusa frontal àquela oferta: “Num determinado momento eu disse a ele: faz assim, onde está escrito FHC, escreve Lula, e onde está escrito PSDB, escreve PT”.

A tentativa de compensar a falta de reportagem com a profusão de espaços de opinião seria mais um sintoma dos desvios da profissão. “Dar opinião é ótimo, mas ela não muda o mundo. O que muda o mundo é a reportagem, e é na reportagem que se controla um jornal”. A constatação da ausência de reportagem o levou a outra afirmação categórica ao tratar do tema específico do debate: “as Olimpíadas já são mais um imenso fracasso do nosso jornalismo”, porque “questões fundamentais de desvio de verba, remoções, de toda a grande sacanagem que aconteceu” não foram noticiadas como deveriam.

Lúcio condenou também a cobertura “chapa branca”, que tanto diz respeito à subordinação do jornalismo a interesses comerciais – quando, por exemplo, uma rede de televisão compra os direitos de transmissão de um grande evento – como à aceitação acrítica da declaração das fontes. Nesse caso, ressaltou o eterno diagnóstico sobre a “falta de preparo psicológico” dos atletas brasileiros nos momentos decisivos, como ocorreu no fatídico 7 a 1 contra a Alemanha, na última Copa do Mundo: “Isso é uma forma de reiterar o complexo de vira-lata e de encobrir as responsabilidades dos dirigentes na falta de estrutura e na falta de empenho para a massificação do esporte”.

Formado em História e em Jornalismo, Lúcio trabalhou nas redações do Jornal do Brasil, O Globo, TV Globo, SporTV e ESPN Brasil – “fui demitido de todas” – e ganhou vários prêmios em seus 17 anos de carreira, entre os quais o Gabriel García Márquez, em 2013, pela série “Memórias de Chumbo – o futebol nos tempos do Condor”. Sua mais recente reportagem, “O senhor dos anéis”, na Pública, desvenda a atuação do croata Sead Dizdarevic nas transações que movem o grande negócio das Olimpíadas. A veemência de suas críticas durante o debate expressaram a indignação típica de quem ama o seu ofício. É assim que se pode entender a frase com que encerrou sua intervenção: o jornalismo “é uma merda, mas é muito bom”. O recado é claro: as condições de trabalho são terríveis, o grau de canalhice é tremendo, mas vale a pena resistir. 

(Participaram desta cobertura Eduarda Pereira Garcia, Jackeline de Oliveira Pinho, Jéssica Riquenha e Julliana Reis) 

Contra a autocensura

Jéssica Riquena e Julliana Reis

Repórter do Segundo Caderno do jornal O Globo e há muitos anos dedicada ao jornalismo cultural, Mariana Filgueiras vai integrar a equipe de cobertura das Olimpíadas com o entusiasmo de quem pretende aproveitar essa rara oportunidade, seja pela variedade de pautas proporcionada pela presença dessa multidão de atletas de origem tão distinta, e que vão muito além do que é próprio do jornalismo esportivo, seja pela “rede de contatos fabulosa” que a vinda de jornalistas do mundo inteiro permite criar.

Suas expectativas, entretanto, não apagam o senso crítico a respeito da profissão. Como Lúcio de Castro, Mariana tratou de questões mais gerais da atividade jornalística e assinalou sobretudo a autocensura como um dos problemas mais graves do cotidiano das redações, que acaba favorecendo a falta de pluralidade nas pautas. “As pessoas estão ficando apáticas, alienadas. A notícia está aqui e você não quer vender para não ter o stress, para não incomodar... e, assim, vai-se fazendo o jogo da indústria”.

Lúcio aproveitou para comentar: “é por isso que tantos jornalistas dizem que nunca sofreram pressões ou constrangimentos. Porque já estão completamente adequados aos padrões da empresa”.

Mariana reiterou a necessidade de respeito aos princípios básicos que norteiam a profissão: “é fundamental ter compromisso com a verdade factual, fiscalizar o poder público e ter espírito crítico”. Ressaltou ainda a necessidade ter consciência do próprio papel como profissional: “Nenhum de nós é a empresa. Por mais que a linha editorial seja clara, eu continuo sendo repórter. Minha obrigação é sempre vender para o editor o que é notícia, ainda que o jornal vá recusar”. 





0 comentários:

Postar um comentário

Sobre

Sobre
Este blog foi criado para divulgar e documentar a 11ª edição do Controversas, que compromete-se a discutir o fazer jornalístico em tempos de Olimpíadas e crise política. O evento será realizado no dia 5 de julho de 2016, na sala InterArtes, no Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS) da Universidade Federal Fluminense.

Inscrição

Para se inscrever no Controversas, clique aqui:

Facebook

Tecnologia do Blogger.