Lúcio de Castro dá exemplo de resistência
Diferentemente de tantos colegas que
costumam pisar em ovos quando questionam a profissão, Lúcio de Castro abriu o
verbo: “não existe jornalismo investigativo no Brasil”. Seria uma afirmação tão
categórica quanto exagerada – afinal, há exemplos de grandes repórteres, como
ele próprio, empenhados nessa tarefa. Mas, de fato, são exceções que confirmam
a regra. Lúcio lembrou a famosa definição do jornalismo como a tarefa de
“publicar aquilo que alguém poderoso quer esconder, e o que se vê é o contrário
disso”. Em seguida, deu vários exemplos para fundamentar sua crítica,
demonstrando como os editores evitam a publicação de reportagens
inconvenientes.
Uma delas foi a que ele próprio
realizou sobre os
negócios da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
e que acabou saindo na CartaCapital.
O interessante, disse, teria sido publicá-la em algum jornal conservador, para
atingir um público normalmente alheio a esse tipo de denúncia. Mas não foi
possível furar o bloqueio: previsivelmente, todos os procurados rejeitaram a
pauta. Muito divertido, Lúcio contou como enfiou a carapuça num editor que
tentava sair pela tangente, sempre adiando uma resposta e evitando uma recusa
frontal àquela oferta: “Num determinado momento eu disse a ele: faz assim, onde
está escrito FHC, escreve Lula, e onde está escrito PSDB, escreve PT”.
A tentativa de compensar a falta de reportagem
com a profusão de espaços de opinião seria mais um sintoma dos desvios da
profissão. “Dar opinião é ótimo, mas ela não muda o mundo. O que muda o mundo é
a reportagem, e é na reportagem que se controla um jornal”. A constatação da
ausência de reportagem o levou a outra afirmação categórica ao tratar do tema
específico do debate: “as Olimpíadas já são mais um imenso fracasso do nosso
jornalismo”, porque “questões fundamentais de desvio de verba, remoções, de
toda a grande sacanagem que aconteceu” não foram noticiadas como deveriam.
Lúcio condenou também a cobertura
“chapa branca”, que tanto diz respeito à subordinação do jornalismo a
interesses comerciais – quando, por exemplo, uma rede de televisão compra os
direitos de transmissão de um grande evento – como à aceitação acrítica da
declaração das fontes. Nesse caso, ressaltou o eterno diagnóstico sobre a
“falta de preparo psicológico” dos atletas brasileiros nos momentos decisivos,
como ocorreu no fatídico 7 a 1 contra a Alemanha, na última Copa do Mundo:
“Isso é uma forma de reiterar o complexo de vira-lata e de encobrir as
responsabilidades dos dirigentes na falta de estrutura e na falta de empenho
para a massificação do esporte”.
Formado em História e em Jornalismo,
Lúcio trabalhou nas redações do Jornal do
Brasil, O Globo, TV Globo, SporTV e ESPN Brasil –
“fui demitido de todas” – e ganhou vários prêmios em seus 17 anos de carreira,
entre os quais o Gabriel García Márquez, em 2013, pela série “Memórias
de Chumbo – o futebol nos tempos do Condor”. Sua mais recente
reportagem, “O
senhor dos anéis”, na Pública,
desvenda a atuação do croata Sead Dizdarevic nas transações que movem o grande
negócio das Olimpíadas. A veemência de suas críticas durante o debate
expressaram a indignação típica de quem ama o seu ofício. É assim que se pode
entender a frase com que encerrou sua intervenção: o jornalismo “é uma merda,
mas é muito bom”. O recado é claro: as condições de trabalho são terríveis, o
grau de canalhice é tremendo, mas vale a pena resistir.
(Participaram desta cobertura Eduarda Pereira Garcia, Jackeline de Oliveira Pinho, Jéssica Riquenha e Julliana Reis)
(Participaram desta cobertura Eduarda Pereira Garcia, Jackeline de Oliveira Pinho, Jéssica Riquenha e Julliana Reis)
Contra a autocensura
Jéssica Riquena e Julliana Reis
Repórter do Segundo Caderno do jornal O Globo e há muitos anos dedicada ao jornalismo cultural, Mariana
Filgueiras vai integrar a equipe de cobertura das Olimpíadas com o entusiasmo
de quem pretende aproveitar essa rara oportunidade, seja pela variedade de
pautas proporcionada pela presença dessa multidão de atletas de origem tão
distinta, e que vão muito além do que é próprio do jornalismo esportivo, seja
pela “rede de contatos fabulosa” que a vinda de jornalistas do mundo inteiro permite
criar.
Suas
expectativas, entretanto, não apagam o senso crítico a respeito da profissão. Como
Lúcio de Castro, Mariana tratou de questões mais gerais da atividade
jornalística e assinalou sobretudo a autocensura como um dos problemas mais
graves do cotidiano das redações, que acaba favorecendo a falta de pluralidade
nas pautas. “As pessoas estão ficando apáticas, alienadas. A
notícia está aqui e você não quer vender para não ter o stress, para não
incomodar... e, assim, vai-se fazendo o jogo da indústria”.
Lúcio aproveitou para comentar: “é
por isso que tantos jornalistas dizem que nunca sofreram pressões ou
constrangimentos. Porque já estão completamente adequados aos padrões da
empresa”.
Mariana reiterou a necessidade de respeito aos princípios básicos que norteiam a profissão: “é fundamental ter compromisso com a verdade factual, fiscalizar o poder público e ter espírito crítico”. Ressaltou ainda a necessidade ter consciência do próprio papel como profissional: “Nenhum de nós é a empresa. Por mais que a linha editorial seja clara, eu continuo sendo repórter. Minha obrigação é sempre vender para o editor o que é notícia, ainda que o jornal vá recusar”.
Mariana reiterou a necessidade de respeito aos princípios básicos que norteiam a profissão: “é fundamental ter compromisso com a verdade factual, fiscalizar o poder público e ter espírito crítico”. Ressaltou ainda a necessidade ter consciência do próprio papel como profissional: “Nenhum de nós é a empresa. Por mais que a linha editorial seja clara, eu continuo sendo repórter. Minha obrigação é sempre vender para o editor o que é notícia, ainda que o jornal vá recusar”.
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