domingo, 2 de outubro de 2016

Um portal, um blog e uma conversa sobre as possibilidades do jornalismo na internet

Fernanda Andrade Maia

A crise das grandes empresas jornalísticas tem levado à necessidade de se pensar em novas possibilidades de exercer a profissão além dos limites da mídia tradicional. Foi isto que Cristina Dissat e Nataniel Souza colocaram em questão ao falar sobre “empreendedorismo e jornalismo na internet”. Criadores, respectivamente, de um blog e um portal de jornalismo esportivo, ambos trataram também de política e da preocupação social nessa área que muitas vezes é resumida a “apenas futebol”. 

Ainda que tenham sido iniciados como projetos despretensiosos, o Fim de Jogo de Cristina Dissat e o Noticiário Paralímpico de Nataniel Souza seguem crescendo como referência em suas respectivas áreas. O sucesso dos dois abre espaço para uma discussão que se torna cada dia mais presente na realidade da comunicação social: as mídias que alguns chamam de “independentes”, outros, de “alternativas”, e que exploram as possibilidades tecnológicas abertas com a internet para dar foco em pautas que normalmente são negligenciadas pelas mídias tradicionais.

Nataniel, 25 anos, contou que sua ideia surgiu em sua pesquisa para o trabalho de conclusão do curso de jornalismo na UniSuam. A dificuldade em encontrar material já pronto sobre os esportes paralímpicos o motivou a dar continuidade ao site, que deveria ter sido ativado somente durante o período da avaliação de seu projeto na universidade e hoje conta com uma equipe de colaboradores, uma delas a atleta paralímpica e também estudante de jornalismo Taiane Lopes.

Seu site, de fato, foi o primeiro do Brasil a tratar somente de esportes paralímpicos. A boa resposta que recebeu demonstrou que respondia a uma demanda: aqueles atletas que antes não se viam noticiados agora buscam o Noticiário Paralímpico e sua equipe e mantêm contato através de outros projetos, como a ONG Urece. Durante o Controversas, Nataniel contou sobre a ocasião em que foi chamado pelos atletas a participar dessa ONG após fazer a cobertura de um jogo de futebol para cegos. “Os atletas ficaram felizes”, diz, “nem a própria família dos jogadores comparecia aos jogos”. 

Mas mesmo o esporte mais popular do país tem pautas desprezadas pela grande imprensa. É nessa brecha que atua Cristina Dissat, valendo-se de uma vantagem extra: o fato de morar em frente ao Maracanã. Sem se subordinar a um editor, a jornalista pode perceber situações novas e noticiá-las imediatamente. Foi o caso do dia em que ela notou que o estádio estava aceso, embora sem atividade. “Eu pensei: por que está aceso se não está acontecendo nada? E fui lá ver”.

Sócia Diretora da Agência de Conteúdo DC Press, Cristina pensou em abrir seu blog como uma forma de ajudar os leitores interessados em ir aos estádios e oferecer-lhes outras possibilidades de informação. Considera que o público busca notícias inicialmente nos sites de grandes veículos e depois acessa redes sociais e blogs para ver os desdobramentos e novidades. É nesse processo, segundo ela, que o leitor formará sua opinião.

O detalhe que fez diferença


A possibilidade de se sustentarem profissionalmente seus projetos na internet foi outro tema importante. Ambos afirmam ser um mercado difícil, com pouco retorno financeiro, e que exige o conhecimento de todo o processo de produção de notícias, desde a apuração até a edição. No caso do Noticiário Paralímpico, o trabalho é voluntário, mas no começo do site um patrocínio possibilitou a compra do domínio e da hospedagem sem que Nataniel tivesse que arcar com essas despesas.

Um detalhe chamou a atenção logo na abertura da conversa. Ao apresentar os debatedores, o mediador, professor Márcio Castilho, deu um resumo do currículo de ambos mas assinalou que Nataniel Souza era morador do Morro do Alemão. 


O fato de entrevistadores e repórteres sempre salientarem a origem de Nataniel ao apresentá-lo é significativo: é uma forma de valorizar a luta de quem é discriminado. O estudante, que é negro, reconhece isso e afirma ser difícil ignorar as questões políticas e sociais que sua própria origem faz aflorar, quando vai falar sobre seu projeto. Para ele, a questão política é mais implícita do que qualquer comentário que ele possa fazer, e considera que a desigualdade social fará parte de qualquer projeto que venha a assumir. 

Um projeto contra a exclusão

Victor Brunet

Um projeto idealizado por um jovem negro morador de favela que valoriza atletas marginalizados por sua deficiência física tem esse sentido especial de jogar luz em duas exclusões. Por isso, sua relevância social é muito maior do que a imaginada: não se trata apenas de divulgar um setor esportivo sistematicamente ignorado pela mídia, mas de abrir espaço para a voz da periferia.

O Noticiário Paralímpico, que já foi pauta de jornais hegemônicos, rendeu a Nataniel Souza o prêmio de Cidadão Socialmente Responsável da universidade onde estuda. A promoção e a valorização de um projeto sociocultural vindo do Complexo do Alemão, retratada pela mídia como o antro do tráfico e da criminalidade, é um feito que possibilita uma nova visão sobre as comunidades e seus potenciais a serem explorados.

A mudança no ponto de vista sobre a periferia, entretanto, é lenta e gradual. Questionado sobre a segurança no morro onde vive, especialmente em época de Olimpíadas, Nataniel ressaltou que há a expectativa de um cerco militar em torno das favelas da cidade do Rio de Janeiro durante o evento – medida que, na visão dele, visa a isolar o morro do restante da cidade, a pretexto de combater o crime.

Ainda segundo o estudante, a segurança nas favelas do Rio é insuficiente. Em entrevista ao site Voz das Comunidades, Nataniel comenta sobre as dificuldades de quem vive o dia a dia na favela: “Nunca fui de ficar na rua, sempre que acontecia tiroteio estava dentro de casa ou trabalhando”, diz. No entanto, mesmo com todos os problemas que ainda enfrenta no morro onde mora, não aceita ser discriminado: “Não é por ser morador de favela que sou inferior a alguém”.



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Este blog foi criado para divulgar e documentar a 11ª edição do Controversas, que compromete-se a discutir o fazer jornalístico em tempos de Olimpíadas e crise política. O evento será realizado no dia 5 de julho de 2016, na sala InterArtes, no Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS) da Universidade Federal Fluminense.

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