Um portal, um blog e uma conversa sobre as possibilidades do jornalismo na internet
Fernanda Andrade Maia
A crise das grandes empresas jornalísticas
tem levado à necessidade de se pensar em novas possibilidades de exercer a
profissão além dos limites da mídia tradicional. Foi isto que Cristina Dissat e
Nataniel Souza colocaram em questão ao falar sobre “empreendedorismo e
jornalismo na internet”. Criadores, respectivamente, de um blog e um portal de
jornalismo esportivo, ambos trataram também de política e da preocupação social
nessa área que muitas vezes é resumida a “apenas futebol”.
Ainda que tenham sido iniciados como
projetos despretensiosos, o Fim
de Jogo de Cristina Dissat e o Noticiário Paralímpico de
Nataniel Souza seguem crescendo como referência em suas respectivas áreas. O
sucesso dos dois abre espaço para uma discussão que se torna cada dia mais
presente na realidade da comunicação social: as mídias que alguns chamam de “independentes”,
outros, de “alternativas”, e que exploram as possibilidades tecnológicas
abertas com a internet para dar foco em pautas que normalmente são
negligenciadas pelas mídias tradicionais.
Nataniel, 25 anos, contou que sua ideia
surgiu em sua pesquisa para o trabalho de conclusão do curso de jornalismo na UniSuam.
A dificuldade em encontrar material já pronto sobre os esportes paralímpicos o
motivou a dar continuidade ao site, que deveria ter sido ativado somente
durante o período da avaliação de seu projeto na universidade e hoje conta com uma equipe de colaboradores, uma delas a atleta paralímpica e
também estudante de jornalismo Taiane Lopes.
Seu site, de fato, foi o primeiro do
Brasil a tratar somente de esportes paralímpicos. A boa resposta que recebeu demonstrou
que respondia a uma demanda: aqueles atletas que antes não se viam noticiados agora
buscam o Noticiário Paralímpico e sua equipe e mantêm contato através de outros
projetos, como a ONG
Urece. Durante o Controversas, Nataniel contou sobre a
ocasião em que foi chamado pelos atletas a participar dessa ONG após fazer a
cobertura de um jogo de futebol para cegos. “Os atletas ficaram felizes”, diz,
“nem a própria família dos jogadores comparecia aos jogos”.
Mas mesmo o esporte mais popular do país
tem pautas desprezadas pela grande imprensa. É nessa brecha que atua Cristina
Dissat, valendo-se de uma vantagem extra: o fato de morar em frente ao
Maracanã. Sem se subordinar a um editor, a jornalista pode perceber situações
novas e noticiá-las imediatamente. Foi o caso do dia em que ela notou que o
estádio estava aceso, embora sem atividade. “Eu pensei: por que está aceso se
não está acontecendo nada? E fui lá ver”.
Sócia Diretora da Agência de Conteúdo DC
Press, Cristina pensou em abrir seu blog como uma forma de ajudar os leitores
interessados em ir aos estádios e oferecer-lhes outras possibilidades de
informação. Considera que o público busca notícias inicialmente nos sites de
grandes veículos e depois acessa redes sociais e blogs para ver os
desdobramentos e novidades. É nesse processo, segundo ela, que o leitor formará
sua opinião.
O detalhe que fez diferença
A possibilidade de se sustentarem
profissionalmente seus projetos na internet foi outro tema importante. Ambos
afirmam ser um mercado difícil, com pouco retorno financeiro, e que exige o
conhecimento de todo o processo de produção de notícias, desde a apuração até a
edição. No caso do Noticiário Paralímpico, o trabalho é voluntário, mas no
começo do site um patrocínio possibilitou a compra do domínio e da hospedagem
sem que Nataniel tivesse que arcar com essas despesas.
Um detalhe chamou a atenção logo na abertura
da conversa. Ao apresentar os debatedores, o mediador, professor Márcio
Castilho, deu um resumo do currículo de ambos mas assinalou que Nataniel Souza
era morador do Morro do Alemão.
O fato de entrevistadores e repórteres
sempre salientarem a origem de Nataniel ao apresentá-lo é significativo: é uma
forma de valorizar a luta de quem é discriminado. O estudante, que é negro,
reconhece isso e afirma ser difícil ignorar as questões políticas e sociais que
sua própria origem faz aflorar, quando vai falar sobre seu projeto. Para ele, a
questão política é mais implícita do que qualquer comentário que ele possa
fazer, e considera que a desigualdade social fará parte de qualquer projeto que
venha a assumir.
Um projeto contra a exclusão
Victor Brunet
Um projeto idealizado por um jovem negro
morador de favela que valoriza atletas marginalizados por sua deficiência
física tem esse sentido especial de jogar luz em duas exclusões. Por isso, sua
relevância social é muito maior do que a imaginada: não se trata apenas de
divulgar um setor esportivo sistematicamente ignorado pela mídia, mas de abrir
espaço para a voz da periferia.
O Noticiário Paralímpico, que já foi pauta de jornais hegemônicos,
rendeu a Nataniel Souza o prêmio de Cidadão Socialmente Responsável da
universidade onde estuda. A promoção e a valorização de um projeto
sociocultural vindo do Complexo do Alemão, retratada pela mídia como o antro do
tráfico e da criminalidade, é um feito que possibilita uma nova visão sobre as
comunidades e seus potenciais a serem explorados.
A mudança no ponto de vista sobre a periferia, entretanto, é lenta e gradual. Questionado sobre a segurança no
morro onde vive, especialmente em época de Olimpíadas, Nataniel ressaltou que
há a expectativa de um cerco militar em torno das favelas da cidade do Rio de
Janeiro durante o evento – medida que, na visão dele, visa a isolar o morro do
restante da cidade, a pretexto de combater o crime.
Ainda segundo o estudante, a
segurança nas favelas do Rio é insuficiente. Em entrevista ao site Voz das Comunidades, Nataniel comenta sobre as dificuldades de quem vive o dia a dia
na favela: “Nunca fui de ficar na rua, sempre que acontecia tiroteio estava
dentro de casa ou trabalhando”, diz. No entanto, mesmo com todos os problemas
que ainda enfrenta no morro onde mora, não aceita ser discriminado: “Não é por
ser morador de favela que sou inferior a alguém”.
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