A mulher no jornalismo esportivo: mais um campo de luta contra o preconceito
Fernanda Gomes,
Maria Carolina Haubrich e Gabriela Rossi
O debate com a repórter e apresentadora Carol
Barcellos, ex-aluna da UFF, atraiu especialmente a atenção da plateia pela
temática particularmente sensível a ser abordada: as questões de gênero, o
assédio, a valorização da beleza como forma de machismo, os preconceitos contra
a atuação da mulher no jornalismo, particularmente no jornalismo esportivo.
Carol, que forma com Clayton Conservani a dupla de
repórteres do programa Planeta Extremo, da TV Globo, considera que os
obstáculos enfrentados pelas mulheres nesse ambiente de trabalho dizem respeito
a uma questão mais geral: as limitações que a mulher tem na sociedade e a sua
luta pela conquista de direitos. Embora as mulheres, hoje, tenham presença
maciça no jornalismo, a editoria de esportes ainda é vista como uma área
prioritariamente masculina. É uma questão cultural: somos acostumados, desde
pequenos, a ouvir que “futebol é coisa de homem” e, em geral, acompanhar o
nosso principal esporte, ir aos estádios, discutir futebol são coisas ainda
vistas como próprias da cultura masculina.
“Está muito claro que a mulher, brigando pelo seu
espaço no jornalismo esportivo, está brigando pelo seu espaço na sociedade”,
argumenta, lembrando que há uma diferença muito grande entre homens e mulheres
na sociedade, como o fato de a mulher ainda ganhar menos que o homem em tantas
profissões. Por isso, frisa: “a questão antecede o jornalismo esportivo, é uma
coisa da sociedade”.
Carol diz que, ao cobrir futebol, percebe
olhares diferentes nos clubes, ouve piadinhas, cantadas: é o mesmo assédio que
todas as mulheres encaram na rua. Mas reage bem a isso: “nessas horas, tem que ter
postura, atitude e não dar confiança”.
Ressalta, entretanto, que o quadro de desigualdade
entre os sexos vem se modificando. Cresceu bastante o número de mulheres no
jornalismo esportivo e não só na TV – o que, para muitos, poderia se justificar
pela valorização da beleza, como forma de reiterar o machismo –, mas também
entre as mulheres que escrevem sobre esporte.
Única mulher na equipe do programa onde atua,
composta por mais dez homens, Carol diz que mantém excelente relação com esses
colegas. Ela conta que sentiu qualquer preconceito da parte deles, mas sim
alguma dúvida
sobre sua capacidade física em suportar algumas situações, dada a necessidade
de condicionamento físico para realizar as pautas do Planeta Extremo.
“As pessoas ainda associam a mulher a uma
coisa frágil, e talvez a gente tenha sim uma fragilidade, mas isso é diferente
de ser incapaz de fazer alguma coisa. Eu acho que tenho algumas fragilidades
como um homem tem, também”. Preparo físico não era algo estranho à repórter,
que sempre gostou de praticar esportes e já tinha, inclusive, participado de
uma maratona, mas precisou obedecer a uma rotina parecida com a de um atleta
para poder se preparar adequadamente para o programa.
Contra o estereótipo e o assédio
O
desgaste físico, aliás, contraria a ideia de que a mulher precisaria sempre
estar linda para aparecer na tela: basta imaginar as vezes em que as
reportagens lhe exigiam ficar vários dias sem tomar banho ou dormindo no chão.
“A boa aparência dura dois dias, não mais que isso”, disse Carol.
Ela
reconheceu, entretanto, a preocupação da TV com a estética – não exatamente com
a beleza –, que é própria do meio. Preconceito há, de fato, no enfoque das
reportagens sobre mulheres atletas, como fica evidente na criação de rankings do tipo “Top 10: as mais belas lutadoras do
MMA mundial”, “As 10 jogadoras de futebol mais
gatas do mundo”, entre outros.
Por
que não limitar a atenção à atuação das atletas? “É preciso ter cuidado com
essa questão”, argumentou Carol. “Assim como quando uma mulher é estuprada e
falam ‘mas olha a roupa que ela estava usando’, às vezes falam ‘a fulana, olha
o shortinho que ela está usando’. Ela usa o que ela quiser, não é? Está
jogando? É atleta? Tem resultado? Usa o que quiser”.
Carol
acredita que as atletas não precisam deixar de ser vaidosas ou femininas para
que alguém as respeite. Considera que esta é também é uma questão social.
“Quando a gente começar a ver a mulher de outra forma, isso vai naturalmente se
traduzir em tudo que a gente faz e no nosso trabalho. Isso é um processo ainda,
né. A gente ainda tem que explicar por que a mulher pode usar o que quiser e
não ser estuprada, então o processo ainda é um pouquinho longo”.
A
jornalista não mencionou, entretanto, o papel dos jornalistas na reiteração dos
estereótipos que associam mulher e beleza, nem a responsabilidade da própria
imprensa para alterar esse quadro.
Fontes de inspiração
Quando
questionada sobre suas referências na profissão, Carol não pensa apenas em quem
cobre esporte. “Antes de ser jornalista esportiva eu sou jornalista, e isso é
muito claro pra mim. Tenho duas referências muito fortes: o Caco Barcellos, que
pra mim é genial, e a Sonia Bridi, que eu acho uma repórter espetacular, sabe
contar histórias com uma facilidade, um jeito muito natural”.
No
esporte, cita duas colegas de emissora: Glenda Kozlowski e Fernanda Gentil. “A
Glenda provou que você não tem que perder a feminilidade para falar de esporte,
e sempre falou com muita propriedade. Também gosto muito do trabalho da
Fernanda. Eu não preciso ser boleira pra falar de futebol, não preciso falar de
um jeito masculino pra falar de esporte, para as pessoas me respeitarem”.
Como
leitora ou espectadora, Carol se irrita quando vê ou lê matérias sobre futebol
direcionadas às mulheres falando sobre a beleza dos jogadores, quando o que
interessa é a atuação deles e as histórias que podem ser contadas, e que fogem
do óbvio. “Me conta algo que eu não tenha visto. Quem é esse cara? De onde ele
vem? Qual a história dele? Como ele começou?”.
Por
isso valoriza especialmente o repórter Pedro Bassan: “Às vezes eu assisto um
jogo e leio a matéria dele e digo, ‘Cara, esse cara viu outro jogo’, porque ele
consegue contar uma história de um jeito sensacional sem apelar, sem fazer
gracinha, de uma forma inteligente. Pra mim ele é um dos melhores, entra pra
história, realmente é um fenômeno”.
O terremoto no Nepal, uma experiência extrema
Andrezza Buzzani
Carol
Barcellos nunca tinha pensado em trabalhar com jornalismo esportivo. Sempre
gostou de economia, inclusive fez alguns cursos específicos na área. Mas, depois
de estagiar na Band e na Agência EFE, passou pelo processo seletivo da Globo e
foi chamada para a editoria de esporte.
Não
teve dúvidas: “O esporte foi a oportunidade que apareceu para mim ali e eu
agarrei. Sempre gostei de esporte, mais até pela minha vida pessoal, mas para a
minha vida profissional não era um objetivo. Mas acho que, se aparece uma
oportunidade, você agarra, porque às vezes não vai pintar outra. Aquela ali não
era a minha e acabou que foi dando um caminho na minha vida totalmente
diferente do que eu imaginava, acho que muito mais divertido do que eu esperava”.
Com
o Planeta Extremo foi a mesma coisa. “Eu vi como uma oportunidade de ir a
lugares com histórias sensacionais, mas que para estar naquele lugar eu
precisaria me preparar”. Inclusive fisicamente, por motivos óbvios.
O
espírito de aventura, porém, não chegaria a ponto de levar Carol a imaginar uma
experiência realmente extrema e nada divertida: a de estar no meio de um terremoto.
Foi em Katmandu, capital do Nepal, quando se preparava para gravar o programa
de abertura da temporada, em fevereiro de 2016.
Dois
dias após a chegada no destino, a equipe estava na estrada a caminho da
cobertura do primeiro episódio, quando o tremor ocorreu. “Foi diferente de tudo
o que já tínhamos vivido”, disse Carol. Jornalistas e técnicos já estavam acostumados
com alguma precariedade, mas tiveram de enfrentar preocupações maiores com
comida, abrigo, energia, água, comunicação. Não tinha ideia de quando poderiam
retornar ao Brasil. E tiveram também de improvisar, porque a notícia agora era
o terremoto e durante algum tempo eles foram a única equipe estrangeira do
mundo a estar no local, trazendo informações ao vivo sobre a catástrofe.
“A
gente tinha uma reunião e normalmente, por causa do fuso horário, saíamos do
lugar em que estávamos alojados, por volta das três da manhã, para entrar ao
vivo no Jornal Nacional. Era importante informar o que estava acontecendo, havia
lugares em que a gente chegava, mas o resgate nunca chegou”, conta Carol. “Era
muita tristeza, muita destruição”.
A
jornalista comentou a repercussão sobre sua reação quando estava realizando
uma entrevista na embaixada brasileira no Nepal
e um tremor ocorreu justamente durante a gravação. A repórter recebeu um dos
comentários de Zuenir Ventura, que tinha escrito sobre o episódio. “Ele disse
que, quando me viu na TV, aquela minha reação (de medo) tinha dado mais
informações do que qualquer coisa que eu tivesse dito”. Em contrapartida,
outros jornalistas criticaram seu comportamento e a consideraram despreparada
para a tarefa. “Mas quem está preparado para cobrir um terremoto?”, perguntou.
“É possível ficar frio, imparcial, diante disso? O jornalista antes de tudo tem
que ser gente. Eu sou jornalista porque gosto de gente, gosto de história”.
Para
gravar o Planta Extremo depois dessa experiência, a equipe se reuniu e decidiu,
por consenso, ir para um alojamento em uma cidade que não havia sido afetada e
continuar dali. “A gente encarou aquilo também como uma chance de mostrar uma
área do Nepal e um pouco daquele povo que tem uma história superbonita e sair
de lá com uma outra imagem, acho que não só para a gente, mas para quem fosse
assistir também. Mostrar um outro lado do Nepal”, contou a uma plateia entusiasmada
de ouvir tantas experiências.
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