Como lidar com a “chuva de notícias” na comunicação das Olimpíadas
“É
uma chuva de notícias”. Ao definir assim o que acontece num evento tão
grandioso, o diretor de comunicação do Comitê Olímpico e Paralímpico, Mário
Andrada, reconheceu que ele próprio será incapaz de acompanhar integralmente a
cobertura da imprensa dos Jogos de 2016, tamanha quantidade e variedade de
informação veiculada. Em vista disso, afirmou que seu objetivo principal é trabalhar
para que a “energia positiva” que emana dos atletas e do público contamine a cidade.
Andrada
ofereceu um quadro abrangente sobre o tema de sua palestra – “a estrutura de
comunicação no megaevento” –, que encerrou o XI Controversas. Mencionou a previsão
de que 25 mil jornalistas credenciados e 8.600 não credenciados participarão da
cobertura, com uma expectativa maior em comparação aos Jogos de Londres, uma
vez que serão televisionados tanto o desempenho dos atletas brasileiros quanto
o dos demais países — desde treinos e atuação nas classificatórias até a
premiação nos pódios.
O
executivo alertou, entretanto, para um aspecto particular relativo aos
repórteres não credenciados: seu papel será cobrir o que se passa ao redor das
competições, e isso representará uma preocupação extra para os jornalistas da
grande imprensa, para que não sejam furados por quem atua na mídia alternativa.
“Você começa a obrigar o pessoal que está fazendo só esporte a prestar atenção
na cidade. A notícia do dia pode ser um recorde quebrado ou um problema na
Central do Brasil”.
A
crescente popularização das redes sociais também afetará a cobertura. Andrada
disse que as empresas de comunicação estão contratando profissionais em início
de carreira a fim de ampliar o alcance e atingir o público jovem por meio das
diferentes mídias, como Snapchat, Twitter, Facebook. Mas ressaltou que a
circulação de informações, em tempos de redes sociais, ultrapassa o trabalho
dos jornalistas. “Todo mundo que tem um celular é mídia”, comentou, lembrando
de um episódio ocorrido durante um evento-teste de remo no ano passado, quando
parte dos voluntários não compareceu e foi necessário se desfazer, por motivos
sanitários, da comida que seria oferecida a eles. Entretanto, um gari
fotografou a cena com o celular e essa situação incômoda acabou virando
notícia.
O legado para a imprensa
A
participação do jornalista Roberto Falcão, com sua vasta experiência em
assessoria de grandes eventos esportivos – inclusive como gerente de
comunicação do comitê organizador dos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007 –,
ajudou muito a qualificar o debate. Na qualidade de mediador, fez perguntas que
contribuíram para esclarecer pontos polêmicos em torno da realização das
Olimpíadas, sobretudo considerando a crise política no país.
Falcão
perguntou, por exemplo, sobre a curva de aprovação do evento. Andrada
reconheceu a situação complicada: “A gente está em um momento mais crítico,
pelo menos metade da população acha que não vai dar certo. Mas não é o nosso
número mais baixo. Nas manifestações na época da Copa das Confederações
tínhamos o apoio de 37% da população e agora estamos em torno de 52% a 55%”.
Comparou também a situação atual com a de Londres, em 2012, quando o nível de
aprovação local ficou abaixo de 50% a três semanas da cerimônia de abertura. Andrada
mostrou-se otimista ao mencionar que, após o evento, 92% dos londrinos afirmaram
que fariam tudo de novo. Disse que o Comitê brasileiro trabalha com expectativa
semelhante ao final da competição.
Falcão
também levantou a questão do legado dos Jogos para a nossa imprensa. Andrada apontou
vários aspectos: a vantagem sobre os estrangeiros, pelo fato de estarem
“competindo em casa” e falarem a língua do país, mas também o contato com
grandes repórteres e a possibilidade de observar como eles trabalham e os
recursos tecnológicos que utilizam. Fez, inclusive, uma analogia que não foi
particularmente abonadora para o nosso jornalismo: conviver com alguns dos mais
renomados profissionais seria uma experiência semelhante à dos atletas, que
“competem em uma Olimpíada e ficam em trigésimo lugar, mas estão entre os
melhores do mundo”.
Andrada
concordou com o comentário do mediador sobre os maiores desafios que as
Olimpíadas trazem, em comparação com a Copa do Mundo, em virtude da variedade e
simultaneidade dos eventos esportivos. A intensidade desse ritmo, disse, será
um teste de resistência e capacidade para os jornalistas, mas haverá uma
compensação inestimável: o ganho de experiência e prestígio, com a
possibilidade de exibirem em seus currículos o sonho de todo jornalista
esportivo, que é cobrir uma edição das Olimpíadas. Finalizou com o mesmo
otimismo demonstrado ao longo da palestra: “Durante 20 dias, o Rio vai ser o
centro do mundo. Mesmo para quem não gosta de esportes, as notícias vão sair
daqui, e isso pode gerar uma experiência fantástica, um diferencial para os
nossos jornalistas”.
Depois da palestra, perguntas sobre corrupção
Vinícius
Guahy
No
debate que se seguiu à palestra de encerramento do XI Controversas, Mario
Andrada foi questionado pela plateia a respeito de casos de corrupção durante a
organização dos Jogos.
Em
março, quando surgiu a chamada “Lista
da Odebrecht”, na qual políticos, incluído o prefeito
Eduardo Paes e o governador licenciado Luiz Fernando Pezão apareciam como possíveis
destinatários de recursos ilegais provindos da construtora,
Andrada concedeu uma entrevista em que dizia confiar na inexistência de
corrupção nos projetos olímpicos. Agora, a menos de um mês para a abertura dos
Jogos, o otimismo se mantém?
Ele
respondeu que sim, por algumas razões objetivas: porque a concorrência foi
aberta e porque os membros do Comitê estavam obcecados em não deixar passar
nada de origem duvidosa. “Tínhamos dois compromissos. Um, não aceitar dinheiro
público na organização dos Jogos. O outro era não deixar passar roubalheira. É
bem divertido ver como, depois de um certo tempo, você pega as coisas e é bem
divertido também ver como as coisas vêm embrulhadas, não é só um grande
contrato com uma grande construtora”.
Ao
falar da escolha das construtoras, Andrada não se mostrou tão seguro sobre a ausência
de atos ilícitos, pois, segundo ele, este não é um terreno em que seja possível
botar a mão no fogo. No entanto, argumentou que, devido à crise econômica e a
consequente falta de repasse de verba do governo federal para o município, o
custo dos Jogos precisou ser achatado e isso poderia provocar desinteresse em
quem “vive dessa forma”.
Além
disso, o diretor explicou que, por ser um evento público de grandes proporções,
o Ministério Público e os que ele chamou de “os caras da Lava Jato” estavam de
olho. Isso, de certa forma, espantaria os mal-intencionados. “Minha confiança
se baseia nisso, no controle interno do Comitê, e no controle externo, por ser
um evento público com muita publicidade e com uma margem de lucro não muito
grande”.
Outra
questão levantada pela plateia foi a do envolvimento do croata Sead Dizdarevic,
dono da Jet-Set, com os Jogos do Rio. Em junho, o
portal UOL reproduziu
reportagem de Lúcio de Castro para a Pública
sobre a atuação desse empresário na corrupção de membros dos comitês olímpicos
em anos anteriores e em manobras ilegais relacionadas à venda de pacotes de
ingressos, hospedagens e até mesmo à escolha das sedes dos Jogos.
“O
contrato que ele tem com a gente é de um software de chegadas e partidas que
ajuda você a monitorar os Vips ou atletas que estão chegando. Esse software é o
melhor e mais barato do mercado, então eles ganharam a concorrência
limpamente”, esclareceu Andrada. Disse ainda que o grande negócio da empresa de
Dizdarevic é a venda dos ingressos, com lucros milionários por por evento. O
Comitê, segundo o diretor, conseguiu uma grande vitória ao proibir o empresário
de vender esses ingressos na Espanha, Irlanda e Grécia, mas mesmo assim é muito
difícil controlar a expansão dos negócios do croata. E arrematou: “O cara é bem
malandro. O cara é um bandido”.
Tranquilidade diante da hipótese de atentados
Vanessa Ribeiro Barcellos
A questão da segurança e a possibilidade de atentados
terroristas nos Jogos Olímpicos foram temas levantados pelos estudantes que
assistiram à palestra de Mário Andrada. Ele afirmou que não tem “medo nenhum”
de que isso ocorra, pois confia nos cuidados que as polícias estão tendo, "só a brasileira”, disse.
Segundo ele, desde o ataque às Torres Gêmeas, nos Estados
Unidos, em 2001, se intensificou a preocupação das autoridades com segurança, já que muitos
achavam que a região da tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai)
poderia se tornar um alvo. Embora diga que a possibilidade de o Brasil estar
correndo perigo é pequena, ele não deixa de reconhecer que eventos como os
Jogos Olímpicos trazem grande destaque para o país, o que atrai a atenção dos
terroristas.
Andrada argumentou ainda que o novo modelo de
terrorismo – com atentados como os ocorridos recentemente na França, Bélgica e Istambul – pode
ser controlado no ambiente de um evento como as Olimpíadas, considerando a
necessidade de entrada com credenciais e a forte presença de policiais em áreas
próximas dos locais de competição.
Citou ainda a relação de mais de 110 países
que contribuem com o monitoramento de entrada e saída de criminosos, mandando
ao Brasil relatórios sobre as pessoas mais procuradas em cada país. Deu como exemplo
a
prisão do líder de uma das torcidas organizadas mais violentas da Argentina
durante a Copa do Mundo ocorrida no Brasil em 2014.
No final do debate, em que vários dos palestrantes se
reuniram para uma última sessão de perguntas, uma aluna mostrou curiosidade em
saber como o Comitê e até mesmo os jornalistas – também direcionou a pergunta à
jornalista e apresentadora da Rede Globo, Carol Barcellos – estão sendo
orientados e como devem agir caso ocorram ataques durante os Jogos.
Carol citou
uma matéria
publicada no jornal O Globo com a relação das precauções que
todos deveriam tomar em situações inusitadas e suspeitas. Mario Andrada completou
dizendo que esse tipo de recomendação o deixa tranquilo justamente por saber
que existem alertas sobre o assunto. Entretanto, afirmou que o excesso de
cuidado pode acabar gerando um sentimento de pânico na população, que é tudo o
que se pretende evitar.
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