segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Como lidar com a “chuva de notícias” na comunicação das Olimpíadas

Beatriz Cardoso Ennes Souza e Victoria Rohan Sarmento Lopes

“É uma chuva de notícias”. Ao definir assim o que acontece num evento tão grandioso, o diretor de comunicação do Comitê Olímpico e Paralímpico, Mário Andrada, reconheceu que ele próprio será incapaz de acompanhar integralmente a cobertura da imprensa dos Jogos de 2016, tamanha quantidade e variedade de informação veiculada. Em vista disso, afirmou que seu objetivo principal é trabalhar para que a “energia positiva” que emana dos atletas e do público contamine a cidade.

Andrada ofereceu um quadro abrangente sobre o tema de sua palestra – “a estrutura de comunicação no megaevento” –, que encerrou o XI Controversas. Mencionou a previsão de que 25 mil jornalistas credenciados e 8.600 não credenciados participarão da cobertura, com uma expectativa maior em comparação aos Jogos de Londres, uma vez que serão televisionados tanto o desempenho dos atletas brasileiros quanto o dos demais países — desde treinos e atuação nas classificatórias até a premiação nos pódios.

O executivo alertou, entretanto, para um aspecto particular relativo aos repórteres não credenciados: seu papel será cobrir o que se passa ao redor das competições, e isso representará uma preocupação extra para os jornalistas da grande imprensa, para que não sejam furados por quem atua na mídia alternativa. “Você começa a obrigar o pessoal que está fazendo só esporte a prestar atenção na cidade. A notícia do dia pode ser um recorde quebrado ou um problema na Central do Brasil”.

A crescente popularização das redes sociais também afetará a cobertura. Andrada disse que as empresas de comunicação estão contratando profissionais em início de carreira a fim de ampliar o alcance e atingir o público jovem por meio das diferentes mídias, como Snapchat, Twitter, Facebook. Mas ressaltou que a circulação de informações, em tempos de redes sociais, ultrapassa o trabalho dos jornalistas. “Todo mundo que tem um celular é mídia”, comentou, lembrando de um episódio ocorrido durante um evento-teste de remo no ano passado, quando parte dos voluntários não compareceu e foi necessário se desfazer, por motivos sanitários, da comida que seria oferecida a eles. Entretanto, um gari fotografou a cena com o celular e essa situação incômoda acabou virando notícia.

O legado para a imprensa

A participação do jornalista Roberto Falcão, com sua vasta experiência em assessoria de grandes eventos esportivos – inclusive como gerente de comunicação do comitê organizador dos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007 –, ajudou muito a qualificar o debate. Na qualidade de mediador, fez perguntas que contribuíram para esclarecer pontos polêmicos em torno da realização das Olimpíadas, sobretudo considerando a crise política no país.

Falcão perguntou, por exemplo, sobre a curva de aprovação do evento. Andrada reconheceu a situação complicada: “A gente está em um momento mais crítico, pelo menos metade da população acha que não vai dar certo. Mas não é o nosso número mais baixo. Nas manifestações na época da Copa das Confederações tínhamos o apoio de 37% da população e agora estamos em torno de 52% a 55%”. Comparou também a situação atual com a de Londres, em 2012, quando o nível de aprovação local ficou abaixo de 50% a três semanas da cerimônia de abertura. Andrada mostrou-se otimista ao mencionar que, após o evento, 92% dos londrinos afirmaram que fariam tudo de novo. Disse que o Comitê brasileiro trabalha com expectativa semelhante ao final da competição.

Falcão também levantou a questão do legado dos Jogos para a nossa imprensa. Andrada apontou vários aspectos: a vantagem sobre os estrangeiros, pelo fato de estarem “competindo em casa” e falarem a língua do país, mas também o contato com grandes repórteres e a possibilidade de observar como eles trabalham e os recursos tecnológicos que utilizam. Fez, inclusive, uma analogia que não foi particularmente abonadora para o nosso jornalismo: conviver com alguns dos mais renomados profissionais seria uma experiência semelhante à dos atletas, que “competem em uma Olimpíada e ficam em trigésimo lugar, mas estão entre os melhores do mundo”.

Andrada concordou com o comentário do mediador sobre os maiores desafios que as Olimpíadas trazem, em comparação com a Copa do Mundo, em virtude da variedade e simultaneidade dos eventos esportivos. A intensidade desse ritmo, disse, será um teste de resistência e capacidade para os jornalistas, mas haverá uma compensação inestimável: o ganho de experiência e prestígio, com a possibilidade de exibirem em seus currículos o sonho de todo jornalista esportivo, que é cobrir uma edição das Olimpíadas. Finalizou com o mesmo otimismo demonstrado ao longo da palestra: “Durante 20 dias, o Rio vai ser o centro do mundo. Mesmo para quem não gosta de esportes, as notícias vão sair daqui, e isso pode gerar uma experiência fantástica, um diferencial para os nossos jornalistas”.


Depois da palestra, perguntas sobre corrupção

Vinícius Guahy

No debate que se seguiu à palestra de encerramento do XI Controversas, Mario Andrada foi questionado pela plateia a respeito de casos de corrupção durante a organização dos Jogos.

Em março, quando surgiu a chamada “Lista da Odebrecht”, na qual políticos, incluído o prefeito Eduardo Paes e o governador licenciado Luiz Fernando Pezão apareciam como possíveis destinatários de recursos ilegais provindos da construtora, Andrada concedeu uma entrevista em que dizia confiar na inexistência de corrupção nos projetos olímpicos.  Agora, a menos de um mês para a abertura dos Jogos, o otimismo se mantém?

Ele respondeu que sim, por algumas razões objetivas: porque a concorrência foi aberta e porque os membros do Comitê estavam obcecados em não deixar passar nada de origem duvidosa. “Tínhamos dois compromissos. Um, não aceitar dinheiro público na organização dos Jogos. O outro era não deixar passar roubalheira. É bem divertido ver como, depois de um certo tempo, você pega as coisas e é bem divertido também ver como as coisas vêm embrulhadas, não é só um grande contrato com uma grande construtora”. 

Ao falar da escolha das construtoras, Andrada não se mostrou tão seguro sobre a ausência de atos ilícitos, pois, segundo ele, este não é um terreno em que seja possível botar a mão no fogo. No entanto, argumentou que, devido à crise econômica e a consequente falta de repasse de verba do governo federal para o município, o custo dos Jogos precisou ser achatado e isso poderia provocar desinteresse em quem “vive dessa forma”.

Além disso, o diretor explicou que, por ser um evento público de grandes proporções, o Ministério Público e os que ele chamou de “os caras da Lava Jato” estavam de olho. Isso, de certa forma, espantaria os mal-intencionados. “Minha confiança se baseia nisso, no controle interno do Comitê, e no controle externo, por ser um evento público com muita publicidade e com uma margem de lucro não muito grande”.

Outra questão levantada pela plateia foi a do envolvimento do croata Sead Dizdarevic, dono da Jet-Set, com os Jogos do Rio. Em junho, o portal UOL reproduziu reportagem de Lúcio de Castro para a Pública sobre a atuação desse empresário na corrupção de membros dos comitês olímpicos em anos anteriores e em manobras ilegais relacionadas à venda de pacotes de ingressos, hospedagens e até mesmo à escolha das sedes dos Jogos.

“O contrato que ele tem com a gente é de um software de chegadas e partidas que ajuda você a monitorar os Vips ou atletas que estão chegando. Esse software é o melhor e mais barato do mercado, então eles ganharam a concorrência limpamente”, esclareceu Andrada. Disse ainda que o grande negócio da empresa de Dizdarevic é a venda dos ingressos, com lucros milionários por por evento. O Comitê, segundo o diretor, conseguiu uma grande vitória ao proibir o empresário de vender esses ingressos na Espanha, Irlanda e Grécia, mas mesmo assim é muito difícil controlar a expansão dos negócios do croata. E arrematou: “O cara é bem malandro. O cara é um bandido”. 

Tranquilidade diante da hipótese de atentados

Vanessa Ribeiro Barcellos
A questão da segurança e a possibilidade de atentados terroristas nos Jogos Olímpicos foram temas levantados pelos estudantes que assistiram à palestra de Mário Andrada. Ele afirmou que não tem “medo nenhum” de que isso ocorra, pois confia nos cuidados que as polícias estão tendo, "só a brasileira”, disse. 

Segundo ele, desde o ataque às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, em 2001, se intensificou a preocupação das autoridades com segurança, já que muitos achavam que a região da tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai) poderia se tornar um alvo. Embora diga que a possibilidade de o Brasil estar correndo perigo é pequena, ele não deixa de reconhecer que eventos como os Jogos Olímpicos trazem grande destaque para o país, o que atrai a atenção dos terroristas.

Andrada argumentou ainda que o novo modelo de terrorismo – com atentados como os ocorridos recentemente na França, Bélgica e Istambul – pode ser controlado no ambiente de um evento como as Olimpíadas, considerando a necessidade de entrada com credenciais e a forte presença de policiais em áreas próximas dos locais de competição. 

Citou ainda a relação de mais de 110 países que contribuem com o monitoramento de entrada e saída de criminosos, mandando ao Brasil relatórios sobre as pessoas mais procuradas em cada país. Deu como exemplo a prisão do líder de uma das torcidas organizadas mais violentas da Argentina durante a Copa do Mundo ocorrida no Brasil em 2014.


No final do debate, em que vários dos palestrantes se reuniram para uma última sessão de perguntas, uma aluna mostrou curiosidade em saber como o Comitê e até mesmo os jornalistas – também direcionou a pergunta à jornalista e apresentadora da Rede Globo, Carol Barcellos – estão sendo orientados e como devem agir caso ocorram ataques durante os Jogos. 

Carol citou uma matéria publicada no jornal O Globo com a relação das precauções que todos deveriam tomar em situações inusitadas e suspeitas. Mario Andrada completou dizendo que esse tipo de recomendação o deixa tranquilo justamente por saber que existem alertas sobre o assunto. Entretanto, afirmou que o excesso de cuidado pode acabar gerando um sentimento de pânico na população, que é tudo o que se pretende evitar. 


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Este blog foi criado para divulgar e documentar a 11ª edição do Controversas, que compromete-se a discutir o fazer jornalístico em tempos de Olimpíadas e crise política. O evento será realizado no dia 5 de julho de 2016, na sala InterArtes, no Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS) da Universidade Federal Fluminense.

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